Boiadeiro - Acerto de Contas

 13 de OUTUBRO DE 2013


    Depois do Evangelho no lar, veio o Boiadeiro, Sebastião de Aparecida. Pediu que fôssemos conversar mais tranquilamente no quartinho do fundo onde está o altar e é o local de trabalho de umbanda do médium. 
    Ele preparava uma vela com o nome de uma pessoa que necessitava receber a graça de um milagre, pois só assim ela resolveria o seu problema, molhando o papel com um pouco de chá do Santo Daime. Disse depois que a pessoa fosse pagar essa promessa pra nossa Senhora, porque receberia a maior graça que pedia. Não sei como a pessoa vai pagar essa promessa, porque ela não deve ficar sabendo do pedido da graça...Se der tudo certo, de qualquer modo eu mesmo pagaria essa promessa por ela, porque ela merece.
     Sebastião contou uma parte de sua ultima encarnação. Já sabia que fomos irmãos de uma família de quatro filhos, no estado do Mato Grosso no final do século XIX. Ele era o filho mais velho e nosso pai já participara para ele que nossa família não tinha mais futuro naquele local. Éramos arrendatários. Nosso pai avisou para que ele procurasse algo com algum futuro, porque ele já estava velho e não tinha mais tempo pra recomeçar. Eu fiquei com nosso pai e o Sebastião foi levar boiada pelo mundo. Foi caminhando e entrou pelo nordeste. Lá não era bom o trabalho de boiadeiro, porque era terra muito seca e o morria o gado todo. Os fazendeiros eram os coronéis que dominavam tudo de toda gente. Nessa luta, arranjou trabalho em uma fazenda e acabou namorando a filha do patrão e foi correspondido. 
     Empregado não tinha possiblidade com patrão, a tradição não permitia. Para resolver o problema, o patrão arranjou um noivo para a filha, entre os filhos dos coronéis e recomendou que este mandasse matar o Sebastião para se livrar do problema. Mas o Tião nem sabia muito o que acontecia, porque já tinha ido embora, demitido pelo patrão. Foi viver numa cidade longe e era muito benquisto pelo povo do lugar. Era muito trabalhador, alegre e muito camarada de todos. Certa feita apareceu na cidade alguns cabras perguntando por um tal Sebastião. O povo logo entendeu que eram pistoleiros. Envolveram os cabras e obrigaram eles a dizer que assunto eles tinham com o tal Sebastião. Eles contaram que era morte encomendada. O povo segurou os cabras avisando que o Tião era amigo de todos e protegido da cidade e forçaram eles a contar quem era o mandante. O Tião foi chamado, conversou com os pistoleiros e foi decidido o seguinte: como eles já tinham recebido o pagamento então já estavam recompensados, mas ele tinham de ficar na cidade ( senão morreriam) até ele resolver o assunto com o mandante da morte. Tião foi sozinho procurar o tal Conrado, e disse que não sabe porque, mas nunca foi muito cobrado, no pós morte, pelo que fez por lá. 
Chegou na casa, que estava sem maior proteção, pois os cabras estavam seguros na outra cidade, bateu palmas e o fidalgo atendeu:
-- Boas tardes, Vosmecê é Sr Conrado?
-- Eu mesmo, e o senhor quem é e o que quer? -- respondeu o dono da casa.
-- Eu sou Sebastião de Aparecida e soube que o senhor mandou uma encomenda pra mim, por isso eu vim aqui lhe retribuir o favor. 

O janota perdeu a cor, nem conseguiu responder:
-- Eu peço que me receba em vossa casa, pra gente conversar direito, porque se não for assim vou ter de fazer o serviço daqui mesmo. Meu povo veio comigo e já cuidou dos seus cabras, e o que temos pra conversar e só entre nós dois. Se eu tivesse vindo aqui só pra lhe matar eu nem tava lhe falando agora, mas posso mudar de ideia e desistir da conversa. Posso entrar?
     Sem escolha, o almofadinha consentiu que entrasse. Foram pra dentro da casa, assentaram-se educadamente e a conversa começou:
-- Seu Conrado, afinal porque o senhor mandou me matar? Que mal eu lhe fiz? Eu quero saber porque não me recordo de ter feito mal a ninguém, estou te conhecendo agora, mas se eu lhe fiz algum mal, eu quero ter oportunidade de reparação.  
O moço fazendeiro respirou e conseguiu responder.

--- Mandei matar o senhor porque sei que a sinhazinha lhe tem estima e o senhor tem amor por ela também.
--- E lá isso é motivo pra mandar me matar? 
--- Acontece que eu amo a sinhazinha e o pai dela me deu sua mão mas recomendou que tirasse o senhor do nosso caminho...

Sebastião teve essa surpresa que até demorou pra responder:

--- Senhor Coronelzinho, se o Senhor ama a sinhazinha e já tem a mão dela dada pelo pai, não tinha necessidade de se manchar com sangue ... me diga sinhozinho, o Sr já se deitou com ela, já foi até o fim com isso?? não precisa responder, somente saiba que eu e ela fomos até o fim. 
Não quero mais tomar teu tempo, e nem perder o meu. Quero apenas ir-me embora e levar o recurso que gastei com gente pra vir até aqui, que não foi pouco.
--- Seu Sebastião, não estou prevenido de dinheiro nesse momento.]
--- O amigo pode não estar com dinheiro, mas vossas tias têm o quanto preciso. Elas te emprestam agora e ninguém se machuca. Meu povo tá me esperando e é bom que não venham assuntar se não passo bem, pois cabra armado e com fome é um perigo. O que se tinha pra falar de nossas pessoas já foi falado. E o que se falou aqui, não se fala mais em lugar nenhum.
    Sem alternativa, o moço ajuntou os contos de réis com as tias e sem mais demora bandeei pro arraial de onde tinha vindo, antes que o janota soubesse que eu vinha sozinho.
     É disso que eu digo que não fui cobrado ao vir pro lado de cá.

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