Seu Sete Chamas - Resgates

  Depois de contar a história do Sr João Caveira, "seu" Sete Chamas contou mais alguma coisa a respeito dele, depois da "passagem".


          Eu já contei pra vocês que morri queimado pela Santa Inquisição no século XVII, quando estava reencarnado como padre. Já falei também sobre as torturas que aplicavam, sendo uma delas verdadeiro horror, o empalamento. Enfiava-se uma estaca no anus e forçavam para que saísse pela boca. Eu já havia sido julgado e condenado e não havia necessidade dessa tortura. Isso se praticava só por vingança mesmo, por prazer em fazer sofrer. Depois de morrer queimado fui para os umbrais muito revoltado e por muitos e muitos anos eu sentia ódio daquelas pessoas, tanto dos que me acusaram quanto daqueles que promoveram o julgamento e tortura. Esse ódio eu vibrava constantemente e por causa disso eu era atraído para as correntes de mesma vibração, sombrias e pesadas e me afundava cada vez mais. E uma vez, lá pelas profundezas que ficam abaixo do castelo do seu Lucifer, alguns reis das trevas, que se ocupam na tarefa da morte, me propuseram que eu reencarnasse com um projeto de vingança. Mostraram onde estavam encarnados os meus desafetos e vi que estavam espalhados por vários países. Logo percebi que eu não teria como pegar eles todos, precisava de ter dinheiro para isso. Eles disseram que providenciariam para que eu encarnasse com posses e que eles me ajudariam a conseguir posses também para realizar minha vingança...Mas eu não aceitei a proposta deles. Não que eu tenha desistido ou me arrependido, mas eu tinha medo desses senhores da vingança. Eram poderosos e perigosos também, e não sei o que fariam comigo depois, pois não faziam nada por amizade ou caridade. Depois dessa conversa eu fui me desesperando da  vingança, mas sofrendo revoltado e depressivo.
      Vagando nessa situação, uma vez apareceram alguns chefes cavaleiros exus de regiões mais para cima e se aproximaram de mim e conversa vai conversa vem algum deles me disse: --- Esse ódio, sofrimento, depressão e revolta que você sente não é por causa do teu martírio, da morte dolorosa que você teve. Lembre-se da tua vida, do que você fez antes da tua morte e veja se você não produziu dor e desgosto nos outros, pois é isso que produz essa amargura.
         Aquela palavra me pegou de surpresa e me fez lembrar de muita coisa que eu tinha esquecido. Eu já disse que era padre e eu dormia com as esposas dos donos do lugar quando esses viajavam e se ausentavam anos e anos. E essa prática continuava até mesmo depois de eles terem retornado por causa da falta de atenção deles para com suas esposas. Mas até aí tudo bem, mas não contei tudo pra vocês. Em algumas situações, para me vingar de falta de respeito com a minha pessoa, eu joguei na cara de alguns maridos ou quanto eu era melhor do que eles com as mulheres deles. Esses homens foram de tal modo atingidos que nunca mais tiveram alegria na vida. Pelo menos um deles matou a esposa, outros ficaram de tal modo desonrados que caíram em desgosto e depressão até a miséria e morreram me culpando, mesmo por eu ter sido justiçado vivo na fogueira. E como morreram em angústia e depressão, mesmo depois de mortos vibravam suas amarguras e estas me oprimiam. Essa sintonia nos sentimentos que minha petulância produziu em vida, me torturava e eu culpava os verdugos que me feriram as carnes. 
        De qualquer maneira isso era o meu desenvolvimento, eu ainda era espírito novo. Mas se eu tivesse a capacidade de me conter e não ferir os brios dos outros, o sofrimento da tortura se converteria em luz após ir para o mundo espiritual, apesar até das incontinências da carne. Afinal são necessidades que torturam também e nesse ponto aqueles esposos humilhavam suas mulheres que para sobreviver necessitavam pelo menos aliviar o fogo da necessidade, senão enlouqueceriam nas depressões e histerias. Nesse ponto eu fui instrumento de vida e se me mantivesse em silêncio, mesmo que não fosse torturado, não ficaria a morrer nas depressões do mundo dos mortos.
         Quando morremos muitas vezes esquecemos as coisas ....Pois muito bem...depois dessas lembranças a revolta acabou, senti enorme arrependimento pelo sofrimento que causei, o que prova que eu tinha avançado no caminho da vida, e revi meu projeto de reencarnação. E foi assim que reencarnei em 1940 no estado de Pernambuco, como menino negro, filho de um estupro, causando embaraços para minha mãe e aos sete anos fui embarcado em um pau de arara para esta cidade de São Paulo.  Aqui cresci na malandragem, virei ladrão de carros, não matei ninguém, roubei muitos carros e nunca fui dono de nenhum. O sofrimento que causei roubando carros foi apenas material, e ninguém morreu de raiva por causa disso. Não matei nem torturei e morri queimado pelos colegas ladrões. Comparada com a reencarnação anterior, como padre estudado, jovem e orgulhoso e que fez tantos sofrerem pelas suas palavras, essa última reencarnação como talentoso ladrão de carro, mas humilde que se contentava apenas em viver a vida no seu dia, me faz muito bem.

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