Exu João Caveira

 Exu João Caveira é o nome de uma falange, ordem espiritual cujos trabalhadores se apresentam com o mesmo nome de "Exu João Caveira", mas cada um tem sua própria identidade e  história.


                      A história "desse" Exu João Caveira foi transmitida ao médium de maneira inesperada uma vez essa entidade não trabalha com ele. A mim foi transmitida pelo "Seu" Sete Chamas, que é o exu "de frente" do médium.
                      O Seu João Caveira é o exu de frente de uma médium nossa vizinha, e há tempos passados já conversou comigo e o fez muito polida e disciplinadamente, embora os exus normalmente falam desabridamente e na sua enfase não evitam palavrões.
     
                           Eis a história desse Seu João Caveira

            Vivia no Estado de São Paulo, na região de Piracicaba, na primeira metade do século XX. Era pequeno proprietário de terras  limítrofes à area urbana. Viviam ele, sua esposa e um filho, em condições econômicas equilibradas, sem penúria.  
            Caminhava a vida na sua normalidade, quando um fato novo, embora há tempos esperado, aconteceu. Implementaram a construção do ramal da estrada de ferro que ligaria o município de Piracicaba à rede ferroviária do estado de São Paulo. Sentiu-se um sopro do vento da novidade e desenvolvimento, de coisa nova. E para surpresa do seu João, a estrada de ferro passou dentro de suas terras na parte urbana do município. De repente  Sr João viu mais do que triplicar o preço de suas terras que agora eram procuradas por comerciantes e empreendedores. O Sr João logo estabeleceu um loteamento nas áreas mais valorizadas, vendeu alguns lotes para captar dinheiro e em seguida construiu armazéns próximos à estação, alugando a bom preço a empreendedores de trafego de mercadorias e até mesmo à própria companhia ferroviária. Depois disso construiu e vendeu casas ao povo. O Sr. João logo ficou rico, e passou a ser influente na cidade. Mas o que ele gostava mesmo era de empreender, de construir, de movimentar. O Sr João sempre foi pessoa de hábitos simples, como era nessa época e nesse lugar a vida social. Estava rico e respeitado e com muitos caminhos abertos para o que quisesse.
         E nessa plena bonança econômica, financeira e social, a sua esposa, jovem ainda adoeceu misteriosamente e em pouco tempo faleceu. Estava o rico Sr João só, viúvo, com o filho ainda menino. Tudo aconteceu tão rápido que ele nem teve tempo para qualquer consideração. Atordoado, sua atenção foi absorvida pelas tratativas do enterro e do velório cheio de pessoas de toda a cidade. Manteve-se ocupado a receber as condolências e atenções até chegar a hora do enterro mesmo. Ele só conseguiu um momento de reflexão no momento em que o padre rezava o rito fúnebre. O padre rezou as exéquias conforme a liturgia da Igreja, institucional e social, mas o Sr João sentiu falta de calor, de algo mais que não sabia o que era. Sua companheira e amiga estava ali naquele caixão, nos últimos momentos de presença física, e seu corpo seria definitivamente tragado pela terra, nunca mais seria visto e alguma coisa faltava para ser feita que ele não tinha a menor ideia do que seria. Estava ali, angustiado, com se estivesse a transpor um abismo para alcançar e pegar a alça do caixão, quando alguém, um senhor distinto, pede licença ao padre para dizer algumas palavras para o momento. Esse fato é raro em um culto católico, mas o padre lhe concedeu a palavra. Então esse senhor começa a falar, a lembrar algumas caridades e outros atos bons da finada. Demonstrava ter conhecido bem a falecida, sabia de sua vida. Por um momento o Sr João até pensou que esse senhor poderia ter sido amante de sua finada esposa, pois não o conhecia como parente dela. Os presentes estavam envolvidos pela paz e fé das suas palavras que não se preocuparam em saber quem era. Todos acreditavam ser um funcionário da companhia ferroviária. O moço falou tão carinhosa e respeitosamente que atingiu a todos e com muita e especial intensidade o sr João sentiu o quanto foi importante aquele pronunciamento. Era essa fala que ele não sabia que faltava e não tinha providenciado essa caridade para a despedida da sua grande companheira. Providencial foi a iniciativa desse moço e com tão grande desembaraço e profundidade ele falava. Havia ali algo de mágico, espiritual, renovador, algo que vivifica, que dá força e vence a morte, ou pelo menos que é mais forte do que a morte.
               Reanimado e em paz o sr João conduz junto ao povo o caixão levando o corpo de sua esposa ao cemitério. Lá entrega-o à terra, saudoso, agradecido, certo de que ela ouvira aquele discurso, certo de que ela estava bem, de aquele momento final era só uma passagem, pois a vida é muito maior. 
              Tudo terminado e todos retornando a suas casas o sr  João tentou encontrar o moço que falou na igreja. Não encontrou naquele momento e nem depois, porque ninguém sabia quem era e ele nunca mais foi visto, só tinha a aparência de familiaridade mas não se sabia de onde tinha vindo nem para onde se encaminhara.


A VIDA CONTINUA  

             E seu João continuou seu trabalho, seus negócios e sua vida pacata, agora com seu filho. Seus negócios sempre bons e suas relações sociais reservadas. Passou algum tempo e vieram avisar que um amigo  havia falecido e estava sendo velado. Seu João foi ao velório na casa do finado, transmitiu os pêsames aos filhos e à viúva, participou da monótona reza do terço, e acompanhou o rito na Igreja. Assim que o padre terminou as exéquias sentiu necessidade de que algo mais fosse feito para concluir a despedida. Então se lembrou da palavra proferida no enterro da sua esposa. Dirigiu o olhar ao público esperando que alguém aparecesse para falar, mas viu que isso não ia acontecer, pois já se movimentavam para transportar o esquife. Não, isso não poderia terminar assim, era um bom amigo, conversavam tantas vezes, era preciso algo mais, e sentiu o impulso de ele mesmo falar. Mas falar o que? Não tinha se preparado para isso. Mesmo assim o sr João ousou e pediu permissão ao padre. Foi atendido e começou sua fala dirigindo a palavra diretamente ao amigo morto, como se este estivesse a ouvir. Agradeceu os bons momentos em que conversaram, o quanto lhe fizeram bem e conforme ia falando, idéias fluíam na sua mente, lembrava-se surpreendentemente de pormenores da amizade, essas ideias surgiam calorosas, coloridas, envolventes que comunicava também aos presentes, como se estes mesmo externassem aquele sentimento. Terminou dando as despedidas junto com todos os presente que ainda permaneciam nessa terra para cumprir tão bem como ele aproveitara a sua existência. Sua fala atingiu os corações dos vivos e oxalá os mortos tivessem também ouvido.
           Cumprimentaram seu João pelo discurso tão amistoso, tão inspirado e espontâneo. Seu João sabia que havia falado bem, mas não sabia explicar como isso aconteceu. Inspirou-se sem querer, as palavras eram suas, mas as lembranças brotavam na sua consciência com uma intensidade não explicável, como se sua mente se dilatasse ou como se alguém lhe acendesse o ânimo e ainda ele mesmo acreditasse em toda aquela beleza. Ficou cismado ainda algum tempo até voltar ao normal dos acontecimentos na terra.
           Na verdade seu João experimentou algo novo, mas ainda não sabia explicar. Era muito bom, mas não era seu.  Pensando que talvez tenha sido acidental essa comoção, logo esqueceu o assunto.
           Passado quase um ano, veio a falecer um seu velho empregado. Ocorreu o velório, a missa fúnebre e dessa vez ele sabia que teria de falar, mas não se sentia preparado e o povo presente, na sua simplicidade, também nem cogitava que ele lhes desse tamanha honra. Nesse caso ela estava emocionado, muito agradecido pelos serviços do empregado, mas não tinha o discurso pronto que era merecido. Começou de qualquer forma, agradecendo as pessoas que ali estavam, amigos e familiares do finado e a torrente de gratidão e admiração pela existência de serviço daquele velho que tivera uma vida tão diferente da sua. Percebia a grandeza da simplicidade, do desapego daquele senhor, o via como um amigo que combinou com ele, antes de virem a esta terra, que ele seria o seu servidor e seu João seria o patrão, e nessa missão o agora finado fora muito feliz na sua missão e que deixava para ele e para todos um ensino e exemplo de vida. O seu João sempre foi um patrão justo e respeitoso com seus empregados, mas estava na pele de patrão e sentia sim superioridade aos empregados. Nesse momento deu-se conta de seus sentimentos, era necessário retificá-los porque sentiu a grandeza simples daquele que morrera e sua grandeza era real e o seu João sentiu-se um pouco menor, mas o calor da inspiração não lhe permitiu depreciação a si mesmo.
                               
   

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