Maria Catiço vida pós morte

    A MORTE, O SONO E O DESPERTAR NO CEMITÉRIO



     Morri na rua. Estava velha para continuar prostituta, fui despejada e fiquei na rua mendigando, sofrendo todas as humilhações até que um dia morri.
                      Morri e fiquei uns cinco anos deitada de olhos fechados e então veio um irmão lá de baixo, bateu nas minhas costas, deu um fôlego.       Virei pra ver quem era, ele ficou me olhando e falou: já me conhece, teu irmão teu amigo.--era seu Mata Virgem e disse: a tribo não deixa suas mães de leite desamparadas. Ele falou e partiu, eu quis acompanhar mas não consegui. Vi ele de capa preta se afastando...
          Vários tentaram me acordar...Acordei toda suja, lixo pra todo lado, cara suja...e então reparei um grupo de moças conversando e rindo muito, dançavam e bebiam... e perguntei a elas onde eu estava... ---você não vê onde você está? Faça um esforço, veja se consegue enxergar este lugar! -- Fiz um esforço, mas não conseguia ver, então ela estendeu sua saia na minha frente e me mostrou onde eu estava e era em um cemitério. ---O que vim fazer aqui? Como vim parar aqui? --- Pensei que tinha ido sem querem para lá e então dormido ....A moça me chamou: Ei minha filha vem cá e veja! ---Estava escuro, ela me mostrou um tumulo de terra e disse! Veja! O que tá escrito aqui? --- Nada estava escrito. Eu fui enterrada como indigente, ninguém sabia quem eu era, mas tinha lá uma fotografia minha e eu me lembrei dela....
     Então morri???
     Elas gargalharam... hoje dou risada também, mas naquele dia estava desesperada. Briguei com elas dizendo que aquilo só podia ser brincadeira. Então Tatá Molambo, um pouco diferente de Maria Molambo, mas todas são mães Molambo, essas damas esfarrapadas, disse: ---Você morreu e precisa aceitar isso...Todos morrem, mas  a vida continua!
    Fiquei ali naquele lugar meditando, conversando com elas, por volta de dez anos e elas se revezavam e chegavam outras Molambos, outras Padilhas, outras Damas da Morte, outras Caveiras, sempre se revezavam e eu ficava sentada ali. Ofereciam bebida, mas eu tinha medo de aceitar. Aos poucos foi ficando mais íntimo o contato e me davam bebida.
     Então um dia elas estavam sem beber e estavam sérias. 
---Acabou nossa bebida, e acabou por tua causa. Não tenha medo, não faremos nada contra você você. Mas estamos sem beber por tua causa --- e ficavam sérias. 
No outro dia novamente estavam sem bebida e estavam sérias e eu perguntei : ainda não veio a bebida? 
--- Elas responderam: Ainda não, e a culpa é tua. 
Essa situação se repetiu por volta de sete anos... Então eu falei: 
--- Nossa.., era tão gostoso antes, por que ficou assim? --- 
Elas responderam: Você não traz bebida para cá!:
--- "Mas eu não sei onde pegar!"  
----Então por que você não vai trabalhar? 
--- Mas como é que faz para trabalhar? 
---Vou te ensinar. 
Ela indicou a extensão do chão do terreno e disse:--- Tá vendo tudo isso aqui? Vai andando e vendo quem ainda está lá dentro e tenta acordar e chama para sair, esclarece a situação!


O PRIMEIRO TRABALHO NO CEMITÉRIO E O DIVIDIR
    A partir desse momento eu comecei a trabalhar e acordar os espíritos dos mortos para a nova vida. E então elas começaram a receber bebidas. Não me davam mais, e eu também tinha medo de pedir, até que um dias elas me chamaram.
----Vem cá Maria, olha, esta é pra você! Me deram uma garrafa.
--- Não! Eu deixei vocês tanto tempo sem bebida...
--- Essa garrafa é todinha para você! Pegue!
Eu peguei, abri, bebi um pouco e fechei a garrafa.
Elas disseram: Ei! Não tem vergonha? Não vai dividir com a gente? Nós dividimos com você nossa bebida!
---Mas vocês mesmas disseram que esta era minha!...
--- E você aceitou isso? acreditou que é só teu? --- Essa foi a maneira que elas usaram para me fazer entender que eu deveria ter dividido também meus problemas, porque eu havia matado dois filhos pequenos por acreditar que eram só meus e não tentei dividir o problema com outros. Eu tinha uma crença errada. Fui abandonada pelo companheiro ficando com dois filhos pequenos para criar sozinha, sem trabalho, etc., e me desesperei... mas se buscasse dividir esse problema com toda certeza iria conseguir e não precisaria chegar a matar os filhos... Eu não sabia dividir...isso era crença falsa e orgulho também. Tinha aprendido com aquelas Pomba Giras a dádiva da divisão, da colaboração,....
    Então fiquei trabalhando no cemitério e dividindo as coisas com elas, mas não sabia fazer direito aquele trabalho e perguntei: ---Tem alguém que manda vocês fazerem os seus trabalhos? Elas  responderam:
 --- É a Padilha que me manda.   
--- A Caveira que me manda..
--- A Molambo que me manda...
--- A Da Morte que me manda
Então eu disse: ---Vocês precisam mandar eu fazer alguma coisa,
Responderam: Não somos tua chefe.
---- Se vocês não me mandam, alguém tem que me mandar, que ser minha chefe, para que eu consiga fazer o trabalho direito.
   Então elas disseram:
   ---  Mas o teu trabalho é nos catiços. 
Já tinha ouvido falar, mas não lembrava o que era e elas não me esclareceram mais nada. Continuei o meu trabalho de tirar, chamar, acordar e esclarecer os espíritos que ainda estavam nos corpos, nas covas, até que um dia eu achei uma índia velha, que me disse que já sabia que tinha morrido e que estava alí só descansando um pouco.
Eu expliquei para ela que eu estava trabalhando alí. Ela perguntou: ---Com  quem você trabalha?
 Eu respondi: --- Com os catiços. 
E ela: --- Então você está trabalhando errado.
--- Pode ser, mas eu trabalho e você vai trabalhar também.
--- Você vai trabalhar pra mim.
--- Não vou não, eu estava aqui antes e você vai trabalhar pra mim.
--- Nada disso, você vem comigo --- e me batia com um pauzinho...
--- Então qual é o trabalho?
--- Venha comigo. 
E saimos do cemitério. Me despedi das moças, agradeci a elas por terem ficado comigo e até hoje ofereço bebidas a elas, que ficaram comigo tanto tempo e não cobraram nada, e falei que sempre voltaria.
           Eu fiquei tanto tempo no cemitério porque nem sabia que tinha morrido, e eu também não tinha ninguém na vida! Alí era o único lugar que combinava com a minha energia, eu era sozinha, completamente sozinha...Vocês pensam que o cemitério é aquele silêncio, que não tem ninguém? O cemitério é cheio de gente, tem muita festa, muita briga, briga que depende da evolução e do morto, pois tem morto que está lá e só vê a sí próprio, atravessa o burburinho, é visto mas não vê nada, porque sua crença quando vivo, era um crença de morte e não querem ver nada. Crença é perigoso! Crença preconceituosa vitima quem a tem!Até mesmo kardecistas ficam lá esperando uma caravana vir buscá-lo, vêm o pessoal trabalhador bebendo, mas não se aproxima e nem quer falar com eles por causa do preconceito e geralmente é esse pessoal que vai se aproximar dele, pois a bebida é usada par quebrar os preconceitos. Por isso é bom conversar com pessoas de outras religiões e crenças e procurar encontrar os pontos em comum em todas as tradições.
     Temos que pedir as coisas. Eu nunca pedi nada, quis fazer sozinha e só fiz besteira, tem sim, que pedir!
 
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O trabalho com os Catiços
                
                 Comeceu a trabalhar com os catiços, comecei a trabalhar com ela em portas de terreiros de candomblé, terreiros de umbanda que estavam começando naquela época. Fazia limpeza, tirava coisa ruim, amarrava e ficava tudo alí. Não demorou que aquilo começou a me cansar, era muito pior do que trabalhar no cemitério acordando os espíritos. Aquele trabalho era monótono, davam pouca bebida, não tinha graça, tinha menos festa. Eu falei para ela que tava muito monótono para mim, pois eu só tirava as cargas e mantinha alí. 
Ela perguntou: ----O que você fez na tua vida? Afinal, o que você fez de bom na tua vida? Algo de bom você deve ter feito pra vir conversar comigo. 
.--- Eu lembro que eu era enfermeira. 
---- Você amarrou um monte aí. Precisa curar e você é enfermeira! E está aí parada achando que não tem serviço?
---- Mas eu não tenho ferramenta, -- São as facas e estiletes com que trabalho!
---- Construa na tua cabeça, na imaginação!
  Bem, não consegui construir nada e tentei durante sete dias! Então ela viu que eu não conseguir as facas e então ela pediu que um filho trouxesse facas para ela. Ele trouxe e ela falou que ia guardar e o filho pensou que fossem para ela usar. Ela montou um kit de socorros. 
--- Aqui tem mais algumas coisas que você precisa, e juntou algumas ervas também que ela conhecia.--- Agora vai trabalhar, vai curar!
      E eram curas materiais mesmo, aquele monte de gente, muitas kiumbas com as feridas do corpo ainda no pensamento. Era difícil trabalhar, não deixavam tocar, nem dar pontos. Era um campo de guerra mesmo. A partir do momento em que comecei a trabalhar eu vi a falange do Dr Fritz. Eu não via, mas enquanto eu estava ali, outras pombas giras estavam trabalhando com faquinhas enferrujadas e tudo. Então comecei a gostar e fiquei um tempão trabalhando nisso e então uma vez veio uma criança lá. Eu me emocionei pois não sabia que eles tinham crianças nessa situação. Me fez lembrar dos meus filhos. Não consegui tratar dessa criança.
----Aconteceu alguma coisa? --- perguntou a índia. 
Então contei a história para ela, que tinha sumido da minha mente, e eu disse que na minha vida matei duas crianças.
---- Teus filhos?
Fiquei parada!
---- Você não quer saldar o seu débito?
Eu não lembrava disso. Fiquei com amnésia. Então ela disse:
--- Façamos o seguinte: Hoje você não vai mais vir às tendas trabalhar. É muito fácil para você esse trabalho! Você vai trabalhar com os católicos.
Nessa época a maioria dos hospitais eram católicos, de freiras. Entrei para trabalhar na ala pediátrica daquele lugar. (Veja você minha filha, como nosso trabalho é muito parecido? Você trabalhava na creche, encaminhava os que adoenciam para o Santa Marcelina e eu ia lá e cuidava. Todos os hospitais de nomes de santo eu ia.)  Assistia muitas missas bonitas na capela, missas boas, tanta gente trabalhando ali e com tanto crédito espiritual, que até eu também me sentia em crédito, em bem estar. Estavam vivas ainda, encarnadas ainda, e com tanto crédito. Elas não me escutavam, mas eu escutava e conversava com elas.Tinha lá uma irmã que consegui ver, mas não falava para mim que me via, e às vezes eu me lamentava e ela falava: Olha, não faz isso, porque Deus está nos olhando...! Terços e terços eu rezei. Muitas coisas fiz e aí fiquei trabalhando na pediatria e uma dia -- para completar essa lua bonita que está fazendo e você vai escrever essa história e toda história de exú é atrativa em face das da direita, porque interessa mais a vocês também....
        E um dia me sentindo tão creditada, gastei todos os meus créditos em bebidas, frequentei muitos terreiros, recolhi muita bebida e todas as oferendas, que os vivos exageram em fazer, e la fui eu levar tudo -- e era muita mesmo, pois os candomblés estavam esbajando e levei todas para o cemitério, para aquelas mulheres que me ajudaram, as Molambos, as Padilhas, as Caveiras, as da Morte, e disse: ---todas essas oferendas são todas tuas. Rosas, champanhe, frutos. ---É isso que tenho a oferecer para vocês com agradecimento! Na verdade elas recebiam o dôbro daquilo, mas escondiam o que elas tinham para que eu me valorizasse com o pouco que levei. Veja como são as pomba giras, são humildes, não ficam de briguinhas que os mediuns inventam, elas já passaram pelo casco e elas sabem, sabem ser! Elas bebiam e tal e disseram: --- já que você aprendeu a dividir as suas coisas, vamos dividir mais uma coisa com você. Sabe o túmulo que te mostramos com aquela foto? Ele é teu mesmo, não é de outro morto! Só que você se lembra dessa foto? Amiga, tenta lembrar! -- Tentei lembrar, mas não consegui. Estou contando isso agora porque veio nessa casa um Zé Pelintra, que o filho trouxe. E Zé Pelintra tem em todo lugar! Não é sobre esse Zé Pelintra que eu vou falar, mas teve um Zé Pelintra na minha história.

                                    Um Zé Pelintra???? 1890???

         Quando eu viva no bordel, me envolvi com um homem que tornou menos amarga minha vida, me tratou com doçura e conversou coisas lindas comigo, me fez eu me sentir gente por um tempo. Esse negro se trajava muito bem, de terno de linho branco e de chapéu branco também. Sempre que ele chegava, pedia uma garrafa, pagava bem e pedia para ter horas comigo, e muitas vezes ficava mais de um dia no meu quarto, e nesses contatos ele mexeu nos objetos que eu guardava e roubou uma fotografia minha e sumiu do cabaré. Logo depois eu fui despejada, já estava velha,e fui morar na rua. Sem me encontrar no cabaré, esse homem me procurou em todos os bordéis que teve notícia no Rio de Janeiro, procurou a vida inteira, até que ele descobriu, já velho, que eu tinha morrido. Então ele foi no cemitério e como era mandingueiro e tinha vidência, conversou com as pombas giras. ---Estou procurando essa mulher, ela está aqui?
Alguém respondeu: ---Acho que sei quem é, vem comigo. Ela está aqui, mas está dormindo ainda e não quer acordar e vários já tentaram acordá-la. Mostraram o local da cova, sem nenhuma identificação.
      Ele foi o único homem que, entre um programa e outro, me contava algumas coisas que me davam alegria de viver. Nunca contei pra ele sobre minhas crianças. Tinha vergonha porque ele era um homem tão bom e tão feliz e de certa maneira ficava com medo de ele não me procurar mais. 
Bem ele foi até o túmulo e falou: Nossa, ela tem nome...tá muito triste esse túmulo e essa mulher não merece isso, ela me fez um homem tão feliz toda a minha juventude e até homem maduro. Eu pagava ela sim, porque sabia que ela precisava e por ignorância minha não a chamei para ser minha mulher para sempre.
Refletiu um pouco e continuou:  Bem, vou fazer o seguinte, vou enfeitar um pouco este lugar. 
 Colocou lá algumas flores, esse abrigo e esse retrato e falou: 
--- Pois bem, não retornarei mais a esse lugar e uma dia irei vê-la e se ela quizer, falem para ela me ver quando puder.
    E nesse dia eu fui correndo atrás dele pois era o dia que ele estava atravessando e eu levei ele, fiz a passagem dele e foi um dos dias mais felizes da minha vida...e hoje estamos aqui nos vários trabalhos e missões e tenho por ele apreço de pai e de marido...É triste né? Mas é bonita e essa é a minha história. E depois disso fui trabalhar em muitos catiços....

       


Tempos anteriores Vinda para o Sul

              
                  Eu nasci no Estado da Bahia no início do século passado, por volta de 1910. Minha mãe era benzedeira e me ensinava como fazer. Ela também fazia remédios com ervas, pois naquela época era grande a falta de remédio de farmácias. E ela me ensinava as virtudes dessas ervas, a curar feridas e fazer curativos. 

              Então, por causa de grandes dificuldades na Bahia, nós viemos para o Rio de Janeiro. O Rio era a capital do Brasil, cidade famosa, mas não era tão grande e nem existiam os morros com as favelas de hoje. Nessa época existiam os cortiços e foi num desses que viemos morar. Muitos desses cortiços tinham um dono que não era o verdadeiro dono do terreno, mas um tal que invadiu, fez um barraco, emendou em outro e alugou. 

             Nessa vida de moradora no cortiço, eu era mocinha bonita com os cabelos crespos grandes, era morena escura mais voltada para índia do que para negra. Conheci um homem, acreditei na conversa dele, e acabei tendo um filho. Ele era um malandro mesmo, bebia bastante e não ligava para a vida. Ficamos juntos e logo minha mãe adoeceu e eu engravidei do segundo e o malandro foi embora. Disse que ia arrumar trabalho e desapareceu. Eu fiquei sozinha para cuidar dos dois meninos. O pai sabia que eu passava necessidades, mas nunca mais apareceu. Nessa privação só vi o caminho da prostituição e para suportar a vida também passei a me embriagar em casa. Em um sábado resolvi que não iria sair para prostituir e fiquei em casa e me embriaguei. No delírio do bebedeira, inconformada, sem apoios e influenciada pelo pessimismo da vida que alguns escritores da ápoca exaltaram, sufoquei os meus dois meninos com o travesseiro, um após o outro e assim que melhorei da bebida, fugi porque sabia que tinha cometido um crime.
  
                No Rio de Janeiro havia cabarés, que eram casas onde homens ricos mantinham suas amantes. Quando estes homens morriam, as suas esposas nem faziam questão de espólios dessas propriedades e deixavam que ficasse com a amante que também agora ficava sem sustento. Para seguir na vida essas mulheres, já maduras, estabeleciam o negócio de entretenimento para os homens oferecendo momentos de descontração, bebidas, danças e mulheres. Nesses cabarés os homens iam para se divertir e suas esposas muitas vezes sabiam e não lhes admoestavam. Lá eles jantavam, encontravam os amigos, conversavam suas atividades, faziam negócios, dançavam e havia moças jovens e bonitas que lhes completavam o bem estar. Essas moças  eram o atrativo da casa para todos os seus negócios e não se lhes perguntavam seu passado para oferecer-lhes trabalho. Numa dessas casas eu fiquei trabalhando, arrumando e principalmente sendo enfermeira das moças ali. Mas também necessitava prostituir senão não teria recursos suficientes. Nessa casa tinha seus momentos alegres, divertidos, outras vezes tristes e assim eu ia ficando sempre temendo e arrependida.  
             O sexo quando feito por prazer ele dá energia, mas quando praticado por necessidade, egoísmo ou à força ele drena as energias e aniquila a pessoa. Eu já estava num grande esgotamento que até transparecia no físico, estava mesmo velha, quando apareceu no cabaré um homem negro, vistoso, terno branco, educado. Esse senhor tomou um vinho palestrou qualquer coisa e disse que iria dormir essa noite na casa, e me escolheu para essa companhia entre muitas moças jovens. Isso chamou a atenção do pessoal. Durante a noite conversamos muito, ele perguntou muitas coisas, falou muitas amenidades, me elogiou e me senti enlevada pela suavidade desse homem. Foi um momento de restauração de energias, eu senti a vida retornar e vibrar no meu ser. De manhã, assim que ele se preparava para sair eu disse que ele não necessitava pagar nada, que eu estava muito bem, mas ele fez questão de pagar, pagou bem pago e se foi. Voltou outras vezes, disse que queria estar com aquela senhora que ele conheceu e pernoitava, sempre  se interessando muito pelo minha vida e sempre pagando muito bem. Eu não devia mais para a casa, mas já estava mesmo velha e ainda atraindo atenção de homem misterioso que pagava bem. Começaram a cismar comigo, pois havia também inveja de que alguém se desse bem e encontrasse homem que lhes tirasse daquela vida e parece que uma bem mais velha estava para ser escolhida. Mas com o argumento de que eu já não servia mais para trabalhar lá, mu puseram na rua e sem ter onde ficar, não demorou e na rua eu morri.  Mas esse homem voltou no cabaré me procurando e disseram que eu tinha ido embora e nem informaram onde eu poderia estar. Elas sabiam por onde eu andava, mas não contaram para ele, e isso por puro egoísmo. 
                Esse homem andou a me procurar por muitos lugares e perguntar por minha pessoa. Então ele resolveu ir até o cemitério e lá, como ele conhecia o candomblé e tinha vidência, viu algumas pombas giras e perguntou sobre mim. Foi quando elas me levaram até minha sepultura, que era apenas um montinho de terra. Ele olhou e disse que estava muito abandonado aquele lugar e que eu merecia algo melhor. Então ele saiu e mais tarde voltou com uma enxada, algumas flores e uma fotografia minha. Organizou um jardinzinho no montículo mortuário, arranjou as flores e colocou uma placa com o retrato que ele havia pego das minhas coisas no cabaré e eu nem dera falta dele. Por isso que havia lá esse retrato.

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