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segunda-feira, 22 de setembro de 2014
P "BAHIANO" TONINHO - Polícia Alibã no terreiro
Eu morava sozinho no terreiro, uma barracão de telha de barro, na beira da praia. Nesse tempo a praia não era cheia de gente como hoje. Sempre que ia dormir me deitava na rede e ficava olhando a monotonia das telhas e me sentia feliz. Nessa época, início do século XIX, a Igreja católica era o poder e dominava os pensamentos e as autoridades e, vez ou outra, apareciam os alibãs (polícia) pra afirmar seu poder no campo do candomblé. Uma vez eu estava lá sozinho e chegou uma batida de uns quatro polícia. Um cabra pegou uma imagem de Ogum e perguntou; quem é esse aqui? eu respondia: é Ogun, é da Lei. Aí ele dizia Ah é?; vou mostrar quem a Lei aqui e "pof", lascou a imagem no chão. Quem é esse com essas palhas? é Omulu, que encaminha as almas pro Orun, o Céu, o invisível!! Pois ele vai é levar as almas é pro inferno e "pof" espatifava a imagem. Então ele pegou a imagem de Yemanja, minha Orixá, e perguntou: Quem é essa vagabunda aqui? respondi: é vagabunda não, moço, é Yemanja, orixá da fertilidade! Ele insistiu: é vagabunda sim. - Por caridade, não quebre no chão essa imagem, seu moço ...E ele respondeu: tá certo, não vou jogar no chão essa vagabunda, só vou te ensinar a respeitar e não desdizer a autoridade, e bateu com a imagem de Yemanja na minha cara, até quebrar. Machucou e saiu sangue, mas uma coisa aconteceu... Yemanja agora não era mais uma imagem pois senti que ela entrou na minha alma, levantou e cresceu dentro de mim, me encheu de força, segurança, firmeza e paciência. Não reagi, pois entrei na calma, serenidade e confiança que nunca tinha sentido, e isso parece que assustou os polícia, porque eles perderam a vontade de quebradeira, olharam um pro outro e logo foram embora.
Não demorou muito e chegou a Mãinha, a Mãe do Terreiro, e lhe contei o sucedido daquele desacerto.
Ela não se abalou: "Muito bem, agora é recolher os cacos e providenciar que esses alibãs reparem essa braveza e venham restituir o que quebraram."
Pois demorou bem pouco tempo, os polícias vieram devolver o que estragaram e ainda firmar velas pras forças nas encruzas às vista dos passantes. E isso lhes valeu muito do lado espiritual. Uns procuram fazer escondidos, por vergonha de aparecer ao público, mas alguns venceram a timidez e mostrar sua humildade e ofertaram a descoberto. Esses então, acabaram por conquistar muita admiração, respeito, proteção e amizade do mundo espiritual. A humildade, o maior dos poderes do mundo espiritual, é o grande Bem que se leva quando se passa pela "porta estreita".
Por que razão eles voltaram? Se nós fizemos macumba pra eles? Foi por causa das rezas e mandingas que fizemos para eles se arrependerem, pois que é nossa obrigação também zelar pelo bem dos que nos procuram, mesmo que venham com brabeza. Muitos nem dormiam mais, de tanto medo dos sonhos lhes cobrando reparação e respeito, isso sem contar os tropeços e atrapalhações que a eles apareciam na rotina do dia. Assim eles ligaram que essa perturbação apareceu por causa da falta de respeito no terreiro e por isso vieram se desculpar e desfazer o mal feito. De nossa parte não havia mau sentimento pelo desrespeito deles e os "feitos" não foram por vingança, foram mesmo só pra eles refletirem e progredirem. Eles também sofriam na sua ignorância e orgulho e precisavam de cura, de caridade.
Era assim o trabalho espiritual do terreiro de candomblé onde vivi a vida toda.
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