quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Boiadeiro Irmãos Revolução

Julho de 2015

O boiadeiro Sebastião de Aparecida veio para contar um pouco da nossa história

Jetoá pra todos!
Vamos nos lembrar dos tempos em que vivemos juntos encarnado. Vivemos no Mato Grosso no tempo da Guerra do Paraguai. Nosso pai era lá um posseiro, ou a quem os grandes senhores permitiam que ocupasse alguma terra por lá. Fomos irmãos, eu era o mais velho, o hoje seu tio Josué era o irmão do meio e vosmecê era o irmão mais novo e tinha mais uma irmã.
       Então começou essa guerra, a Guerra do Paraguai e eles invadiram o Mato Grosso em primeiro lugar, lá em Corumbá e tomaram tudo mesmo, sem resistência, porque os brasileiros eram poucos ali e nenhuma força militar existia. O Paraguai era já uma república, entraram lá com um exército de gente que sabia que estava em guerra e sabia porque estavam guerreando. 

          Pois muito bem, depois desse ataque todo apareceu por lá uma força do império do Brasil, arrebanhando "voluntários" para a guerra, pois esse era o único meio de recrutar do império. Chegavam para um pai de família e pediam que mandasse seus filhos para a guerra, e pagavam um dinheiro para esse pai para evitar revoltas, porque os "voluntários" eram na prática constrangidos a ir para a guerra. Então os pais recebiam a indenização e diziam para os filhos, muitos deles garotos ainda, que fossem e na primeira oportunidade fugissem pro mato. E foi isso que disse nosso pai pra nós. Eu tinha 15 anos, você tinha 11, o outro tinha lá pelos 13. Nós não éramos brancos, tinha mistura de negro porque nosso pai era desses portugueses que vieram deportados para o Brasil e aqui teve filhos com escravas negras...

        Aquele lugar era muito pantanoso, difícil de guerrear lá. Pegamos nosso mosquetão, o uniforme, algumas moedas e nos mandaram pra se juntar com a força. Fomos juntamos e logo sumimos no mato. O uniforme era calça branca e camisa azul marinho, e a gente tava no meio do verde da mata, qualquer um via. 

Acima, o Enfield Pattern 1853, denominado no Brasil de Enfield 1858, primeiramente em calibre .577 (14,6mm) e depois convertido para pontas Minié de 14,8mm. 

Também os donos  de escravos, cediam escravos para a guerra, e os que sobrevivessem seriam alforriados. 
  
       Teve uma batalha que eu subi em cima de uma árvore e fiquei lá em cima bastante tempo enquanto o tiroteio rasgava. Sofri porque tinha fome, tinha necessidade e não podia descer de lá e ainda tinha o risco de alguem me ver lá e me abater.  Outra vêz também, ja a tardinha subi numa árvore e lá no alto ci que tinha mais três escondidos. Os negros tiravam a roupara para subir nas árvores e não ser visto, por causa da calça branca. Também por isso o paraguaios os chamavam de macacos. Essa calça branca denunciava muito, então muitos soldados e até mesmo oficiais entravam na lama dos pântanos com ela e enchiam de crostas de barro para poder camuflar.
Baioneta usada pelas tropas
         Pois então, foi essa a primeira encarnação tua que você não matou índio. Você era um menino ainda, até apontava o mosquetão mas nunca atirou num paraguaio, que eram quse todos índios guaranís. Também os paraguaios não davam importância a você como soldado menino,  os que te viram não perseguiram e nem levaram a sério. De alguma maneira você teve oportunidade de abater um guarani e não fez e isso lhe rendeu créditos espirituais. Você também morreu muito moço, com 25 anos, em um bar, por três tiros no peito e nem teve enterro, foi enterrado como indigente. Talvez foi por mulher. Mas também nos bares na época morriam muita gente, todo mundo andava armado. Eu também fui enterrado assim, mas muito tempo depois no nordeste. Fui morto por um  tiro nas costas na cama de uma moça que não contou que tinha namorado. Não reclamei. 
         Você não matou nessa encarnação, mas eu matei muita gente, e nem por isso fui muito cobrado do outro lado, porque os que eu matei não prestavam e tinham muitas contas a acertar, então não quiseram aparecer pra cobrar ou não puderam fazer isso. Nunca matei gente boa, mas gente ruim matei muitos.

a guerra me ajudou muito, foi onde aprendi a atirar, a manejar armas e foi esse meu ofício dalí  pra diante. Boiadeiro, capataz, cangaceiro, etc..

Depois dessa guerra acabar e as coisas voltarem ao normal eu passei a andar livremente, com a fama de ter lutado na guerra. Nunca disse que fugia das batalhas e até inventava que tinha sido oficial e isso abriu caminho pra muito trabalho. Nunca entendi o porque da guerra, mas no pouco tempo que fiquei nela aprendi muito. Só o fato de saber manusear o mosquetão e alguém saber que eu já tinha matado gente, era garantia de respeito e de trabalho também.

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