terça-feira, 17 de agosto de 2021

Tiziu! Sanfoneiro no cangaço !

17 de Setembro de 2017
Dez da noite, terminado o Evan, veio o cangaceiro Seu Corisco.
-Jetoá ! Aché !
=Abra essa sanfona pra que eu passe um aché nela e vosmicê arrisque agora alguns acordes, por favor!
Abri a caixa e retirei o acordeom vermelho, com fole todo remendado, e toquei a primeira metade da valsa Walseríssimo.
= Bom, bonito! o próximo trabalho vai ser de boiadeiro e você pode treinar um pouquinho para alegrar um tiquinho o povo que vier?
Me comprometi. E o cangaceiro "seu" Corisco contou:

 
===Ouvindo essa música me veio uma lembrança antiga que foi muito importante na minha vida. Uma vez nós atacamos uma propriedade e pegamos de lá algumas moedas e levamos junto uma sanfona. No bando tinha um cabra que disse que tocava e ficou o dia todo como o instrumento mas não rendia nada. Depois soubemos que um menino da propriedade atacada era dono do acordeom e ficou até doente com a perda do instrumento. Ele tinha três sanfonas e só levamos uma, pois a gente não podia carregar muito peso e nem podia ficar muito tempo também, mas levamos justamente a sanfona ele mais apreciava.  Pois bem, a gente tava lá tentando escutar alguma musiquinha e eis que chega o moço dono da sanfona, um meio galeguinho lá de seus 15 ou 16 ano e veio sozinho. Os cabras do bando eram todos quase moleques também. O moço explicou a situação e propôs que em troca da sanfona de tanta estimação ele tinha conseguido que seu pai desse lá uma parte de gado. Alguns diziam mata ele logo, outros falavam corta os dedos dele. Outros ainda sugeriram que alguns voltassem com ele até a propriedade e roubasse todo o gado e depois matasse todo mundo. Eu tava como chefe do bando e talvez por inspiração que entendia, decidi outra coisa! "Vamos fazer o seguinte, você fica aqui e toca essa sanfona pra gente ´pois nosso cabra não tá conseguindo tirar moda nenhuma dela. Ele regateou que não podia ficar porque veio sem avisar e a mãe nem ia dormir e ainda poderiam vir atrás dele e ter confusão. Esclareci que isso não tinha problema porque os cabras da fazenda tinham medo dos cangaceiros, sabiam que eram em menor número e não viriam mesmo que soubessem que ele estava lá. Perguntei a ele  se seu pai lhe pagava quando tocava. Disse que não, apenas tocava por prazer e o pai não ligava pra nada daquilo e só lhe pagava os estudos pra cuidar dos negócios depois. Então tá decidido, você fica aqui e tocar a noite toda pra gente e depois você pode voltar e levar a sanfona. E foi assim. Esse moço tocou a noite toda e foi uma festa, todo mundo dançando e bebendo e saiba que nos bandos do cangaço tinha mais mulher do que homem, por modo de que a vida no sertão, dominada pelos coronéis, não tinha sentido, então elas procuravam mesmo uma vida menos enfadonha. Pois bem, O Moço tocou /bonito, começou com musicas do estrangeiro, umas valsas e tal, pois era instruído mesmo o galego e até pensei que fosse estrangeiro, mas ele disse que era dali mesmo e seu sotaque era do sertão. Chegou uma hora que ele até já tava bebendo umas cachaça na madrugada. Raiou o dia, terminou a festa e ele levantou, pegou a sanfona e se preparou para sair. Perguntei pra onde ia. "vou embora, cumpri minha parte no trato. " Nosso trato era pra você só tocar e você até bebeu da nossa bebida. Ele disse que pagaria a bebida. mas respondi. Quem paga o baile sou eu. Você tocou e merece receber e retirei algumas moedas que a gente já tinha dividido do saque da casa dele mesmo. Mais dois outros cabras responderam, também eu vou contribuir como fez o capitão e a festa foi boa e deram suas moedas. Teu pai não dá valor à tua arte, mas nós damos esse valor. Pode voltar pra tua casa, mas como você bebeu nossa bebida essa rês fica pra pagamento. 
Vá com Deus! 

Não deu quinze dias, o moço tava de volta. Voltou trazendo sua sanfona e disse que ia tocar e ensinar o cabra que gostava de tocar e quem quisesse aprender. Nunca mais voltou pra casa. Ficou no cangaço a vida toda e morreu com quarenta anos, quase velho e ensinou muitos a tocar a sanfona e hoje na espiritualidade tem uma falange de cangaceiros sanfoneiros e seu nome é Tiziu, por causa do nome seu nome verdadeiro, Mateus, mateusin, tisin e Tiziu.



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